DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

O escritório de JPIC gostaria de oferecer-lhes, nesta importante festa de nossa liturgia cristã, uma reflexão de um de nossos muitos irmãos comprometidos com os pobres e marginalizados nesta aldeia global em que vivemos. Desta vez, é o nosso irmão George Kannanthanam, que dedicou toda a sua vida aos mais pobres e é atualmente responsável pelo Centro Sumanahalli, do qual é também o fundador, em Bangalore, na Índia. É, sem dúvida, um dos muitos profetas que temos na nossa Congregação Claretiana, que nos ajudam a ver com espírito crítico toda a realidade da injustiça social e a sensibilizar-nos para a defesa das vítimas. Convido-vos a refletir sobre o Mistério Pascal neste Sábado Santo a partir da perspetiva das vítimas e dos desfavorecidos, que não são outros senão as nossas irmãs e irmãos desta fraternidade global.

Baixe o documento aquihttps://www.somicmf.org/download/252/easter-sunday/4582/pt-let-them-rise-with-jesus.pdf?lang=en

A LECTIO DIVINA DOS POBRES

Na última terça-feira de cada mês, as Irmãs Missionárias de Santo António Maria Claret organizam uma lectio divina itinerante com os nossos irmãos e irmãs sem-abrigo. O encontro tem lugar a partir das oito horas da noite “na casa de Paulo”.  Depois do encerramento das lojas perto da Praça de S. Pedro, enquanto alguns turistas ainda passam, Paulo coloca a sua mala no chão e cobre-a com um lençol. É o altar à volta do qual reúne um pequeno grupo de amigos – indigentes, voluntários de uma paróquia vizinha, alguns padres, religiosos, leigos – para ouvir e meditar a Palavra de Deus.

Esta é uma iniciativa da comunidade onde vive a Irmã Elaine Lombardi MC, que depois de vários anos a acompanhar esta realidade, acredita que os “sem-abrigo” não precisam apenas de comida e cobertores, precisam de algo mais. Como refere o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, num dos números mais desafiantes desta exortação apostólica: “Quero expressar com tristeza que a pior discriminação sofrida pelos pobres é a falta de cuidados espirituais. A grande maioria dos pobres tem uma especial abertura à fé; eles precisam de Deus e nós não podemos deixar de lhes oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, antes de mais, numa atenção religiosa privilegiada e prioritária” (EG 200)

Esta “lectio divina na rua” é um pequeno sinal que procura responder à preocupação do Papa Francisco de oferecer cuidados espirituais aos pobres. Cada encontro é uma experiência única de comunhão e de esperança. No meio da azáfama da Cidade Eterna que lentamente se vai apagando, a pequena assembleia reúne-se à volta da Palavra, procurando nela consolação e força. As reflexões emergem da realidade concreta dos participantes. Alguns partilham as suas experiências de luta quotidiana, outros exprimem a sua gratidão por terem encontrado neste espaço um momento de paz. A Palavra de Deus ilumina as sombras da rua e recorda a cada um a sua dignidade e o seu valor. Não há pressa, não há distância: nesta “casa de Paulo”, todos são irmãos e irmãs.

Para além da oração e da reflexão, o encontro torna-se uma oportunidade para prestar ajuda concreta. Os voluntários distribuem café ou chá quente, sanduíches e alguns cobertores para a noite fria. Mas, como insiste a Irmã Elaine, o mais importante é o tempo partilhado, a escuta atenta e o reconhecimento de cada pessoa na sua história e no seu sofrimento. Mostrar o calor de uma comunidade que acolhe e acompanha. “O Evangelho chama-nos a olhar para os pobres com os olhos de Jesus”, diz um jovem voluntário. “Por vezes pensamos que ajudar é apenas dar coisas materiais, mas eles ensinam-nos que o mais valioso é sentirmo-nos amados, escutados e compreendidos.

À medida que a noite avança e a lectio divina chega ao fim, são feitas algumas petições espontâneas: pela saúde, pelo trabalho, por uma oportunidade de progredir. Finalmente, um Pai-Nosso e uma bênção marcam o fim do encontro, mas não o fim da fraternidade. Muitos ficam para conversar, partilhar experiências e reforçar os laços que esta iniciativa nos permitiu tecer. Para os participantes, esta lectio divina itinerante é uma lembrança de que a fé é vivida no encontro com os outros, especialmente com aqueles que o mundo tende a esquecer. É um sinal do Reino de Deus que está presente na rua, na noite, no coração daqueles que, mesmo no meio da adversidade, continuam a confiar e a esperar.

No contexto deste ano jubilar dedicado ao tema da esperança, vale a pena recordar o significado bíblico do Jubileu como “ano de libertação”, tal como o profeta Isaías o descreve (61,1-2). A passagem de Isaías 61,1-2 ocupa um lugar central no relato evangélico de Lucas sobre a visita de Jesus a Nazaré (Lc 4,14-30). Nesta cena inaugural, que tem um valor programático e solene. Jesus proclama uma mensagem profundamente transformadora durante uma liturgia na sinagoga. Depois de ter lido: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e a recuperação da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para proclamar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4,18-19), Jesus afirma: “Hoje cumpriu-se a escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21).

O “ano de graça” é um tema central deste texto e remete para o Jubileu do Antigo Testamento, um tempo de libertação, de restituição e de equidade que marcava o perdão das dívidas e a liberdade dos escravos. No entanto, Jesus redefine este conceito como um tempo de graça universal, excluindo qualquer ideia de vingança divina. A graça de Deus, tal como Jesus a apresenta, não discrimina nem exclui; é um dom oferecido a todos, particularmente aos mais pobres e marginalizados

Lucas sublinha que a mensagem de Jesus não pode ser reduzida a uma interpretação meramente espiritual. Os “pobres” a que ele se refere são os excluídos dos bens deste mundo, e o anúncio da Boa Nova implica uma transformação concreta nas suas vidas. Durante séculos, uma excessiva espiritualização da pobreza afastou a Igreja da sua missão original: o anúncio do Reino de Deus e da sua justiça.

Santo António Maria Claret leu o texto de Isaías e Lucas em chave vocacional:

O Senhor fez-me saber que eu não devia pregar apenas aos pecadores, mas também aos simples dos campos e das aldeias, que devia catequizar, pregar, etc., etc., e por isso me disse estas palavras: “Os necessitados e os pobres procuram água e não há; a sua língua está seca de sede. Eu, o Senhor, ouvi-los-ei; eu, o Deus de Israel, não os abandonarei (17). (17) Farei brotar rios nos cumes dos montes, e fontes no meio dos campos; e os que agora são desertos estéreis tornar-se-ão lagoas de águas boas e saudáveis (18).

E, de um modo muito especial, Deus Nosso Senhor fez-me compreender estas palavras: Spiritus Dominis super me et evangelizare pauperibus misit me Dominus et sanare contritos corde (Citando de memória Lc 4,18 / Cf. Is 61,1) (Aut 118).

Claret entendeu que a sua missão não era só salvar os pecadores do inferno, mas concretamente ir ao encontro dos mais pobres e incultos. Como sabemos, também ele entendeu a vocação dos seus missionários à luz destas palavras. Inspirado por Isaías e Lucas, compreendeu que a sua missão e a dos seus missionários era ir ao encontro dos mais necessitados. Hoje diríamos ir às periferias geográficas e existenciais.

Neste sentido, a Lectio com os pobres na Praça de São Pedro torna-se um testemunho vivo de uma Igreja em saída, que se compromete de forma concreta com aqueles que mais precisam. Na “casa de Paulo”, a Palavra encarna-se na realidade dos sem-abrigo, a fé é vivida através da comunhão, do reconhecimento da dignidade humana e da solidariedade genuína. Esta experiência recorda-nos que a mensagem evangélica não é apenas um anúncio, mas um convite a deixar que a Boa Nova seja anunciada com humildade, através dos próprios pobres, que com o seu testemunho revelam o rosto transformador e humanizador do Evangelho. Assim, no meio do frio e da noite que se abate sobre a Cidade Eterna, reafirma-se o compromisso de acompanhar, libertar e dar esperança, tornando tangível o espírito do Jubileu e a promessa de um ano de graça para todos. Os pobres evangelizam-nos!

Edgardo Guzmán CMF

22 DE MARÇO DE 2025 DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA

Nós, no gabinete do JPIC, queremos dar importância a este dia internacional da água porque ainda há mais de dois mil milhões de pessoas no mundo que não têm acesso à água e é bom que tomemos consciência disso. Por outro lado, queremos tomar consciência de que a água faz parte da nossa vida e, por conseguinte, da nossa espiritualidade. A água é um elemento da criação que interliga todas as dimensões da nossa vida e oferecemos uma reflexão de como o próprio Santo António M. Claret a viveu.

Como família claretiana, façamos deste dia internacional um momento de reflexão, oração e consciencialização. Que a Irmã Água nos ajude a contemplar o nosso Criador e a servir toda a Criação, incluindo os nossos irmãos e irmãs.

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Dia internacional da mulher

No dia 8 de março celebramos o Dia Internacional da Mulher. É um momento para refletir e promover a dignidade da mulher como família claretiana. Nas palavras de São João Paulo II: “…é necessário que, antes de mais, se promova na Igreja a dignidade da mulher”. (Ecclesia in Europa 2003, n. 43)

Nesta ocasião, agradecemos às Irmãs Claretianas da RMI que prepararam esta oração-reflexão para celebrar em comunidade e sensibilizar-nos para este princípio da Doutrina Social da Igreja, a defesa da dignidade da pessoa.

Seguindo o convite das Irmãs Claretianas nesta oração, reconheçamos todas as mulheres que fizeram e fazem parte das nossas vidas e, para além de as felicitarmos, promovamos a sua dignidade.

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A VENEZUELA, A SUA COMPLEXA REALIDADE E AS INICIATIVAS MISSIONÁRIAS CLARETIANAS

Anselmus Baru, cmf

No final do ano 2024, o Padre Antonio Llamas pediu-me para escrever sobre a realidade social da Venezuela a partir da minha experiência missionária, por isso atrevo-me a escrever estes parágrafos; não o faço a partir de uma visão profunda e exaustiva da realidade, através desta escrita reconheço as minhas limitações de interpretação do contexto e dos factos; com isto, quero simplesmente deixar neste texto o que vivemos neste belo país, à parte, tentei destacar algumas pequenas iniciativas que surgem do contexto, respondendo à realidade social onde estamos imersos.

Este texto foi iniciado após a tomada de posse de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, a 10 de janeiro, na sequência dos resultados controversos das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024; mesmo assim, estas linhas não pretendem fazer uma análise política após esse acontecimento, mas uma partilha de experiências a partir do que temos vivido no dia a dia, recolhendo os momentos e acções missionárias na situação social que enfrentamos na nossa missão, e citando algumas ideias e resultados de pesquisas de especialistas para reforçar as ideias em termos de análise da complexa realidade social que vivemos na Venezuela.

Uma realidade social, política e económica complexa

Há mais de uma década que a Venezuela está mergulhada numa crise profunda que afecta todos os aspectos da sua economia, a começar pelo colapso do modelo económico, que depende das exportações de petróleo e da centralidade económica do Estado. Do mesmo modo, nas últimas décadas, a Venezuela registou uma deterioração política da sua democracia.

Há quatro factores para compreender a crise venezuelana: Primeiro, o petróleo tem de a dar, segundo Victor Mijares (professor do Departamento de Ciência Política da Universidad de los Andes), isto reflecte-se na relação dos venezuelanos em que o petróleo faz parte da sua idiossincrasia, uma vez que o petróleo não emprega mais de 150 pessoas.Em segundo lugar, o Estado permeia a relação entre o Estado e a sociedade, gerando uma situação de clientelismo e paternalismo; em terceiro lugar, a “relação civil-militar gerou um esquema de poder pretoriano, onde os militares são o fiel da balança”; em quarto lugar, a relação entre a Venezuela e o resto do mundo, onde alguns poucos se aproveitam dos recursos petrolíferos. Para Mijares, esta situação pode ser perigosa e incómoda, porque, sendo um país tão pequeno, é apanhado no meio de potências como a Rússia, a China e os Estados Unidos.

A partir deste panorama, podemos compreender que a Venezuela já foi considerada um dos países mais ricos da América Latina, com uma economia baseada no petróleo, mas nas últimas décadas esta economia sofreu múltiplas crises e tornou-se um dos países mais difíceis económica e politicamente da região.

Indicadores como o PIB per capita diminuíram, desde que Nicolás Maduro assumiu a presidência, a Venezuela perdeu US$ 4.825 no PIB per capita, já que em 2013, quando ele assumiu o cargo, estava em US$ 8.692 e em 2024 tinha caído para US$ 3.867, a pobreza extrema e a desigualdade são realidades que refletem um quadro de um país em deterioração, preso pelos múltiplos aspectos da crise. Esta realidade foi agravada pela política internacional e pelo embargo económico aplicado pelos Estados Unidos.

Segundo Luis Oliveros, decano da Faculdade de Ciências Económicas e Sociais da Universidade Metropolitana da Venezuela, a produção petrolífera venezuelana é, neste momento, apenas um terço do que era há quinze anos. Por esta razão, uma das estratégias aplicadas pelo governo para manter a economia do país em movimento é aumentar os impostos sobre o sector privado, o que traz consigo consequências, incluindo custos elevados para o sector empresarial e para a produção.

A complexa realidade, tanto política como económica do país, provocou ondas de migração maciça de venezuelanos para diferentes países da América e da Europa. Segundo dados do ACNUR, mais de 7,7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela em busca de proteção e de uma vida melhor; a maioria, mais de 6,5 milhões de pessoas, foi acolhida por países da América Latina e das Caraíbas. Mas não podemos ignorar que este fluxo migratório cria outros problemas nos países de acolhimento, como a xenofobia, as oportunidades de emprego, as violações dos direitos, a mão de obra qualificada de baixo custo, a prostituição e os maus tratos e outros problemas sociais.

Esta situação provocou a ausência de profissionais no país, nos sectores da saúde, da educação, da tecnologia e da indústria, entre outros; uma grande preocupação, porém, é a realidade da desagregação familiar causada pela migração e o efeito económico que esta provoca, uma vez que as pessoas que migram enviam frequentemente dinheiro (remessas) para os seus familiares no país. De acordo com estudos, as remessas do estrangeiro desempenham um papel cada vez mais importante na economia venezuelana, com cerca de 35% dos agregados familiares venezuelanos a receberem remessas do estrangeiro com frequência ou ocasionalmente. As estatísticas mostram que o montante médio das remessas enviadas por mês é de 65 dólares e que o montante total das remessas enviadas ascende a 3 mil milhões de dólares por ano. Este valor aumentou 120% desde 2020, quando era de cerca de 1,3 mil milhões.

Em relação à economia, a moeda oficial da Venezuela é o Bolívar, embora não seja oficial, o dólar é a moeda que mais circula na economia, causando assim uma dolarização informal. Nesta realidade, o governo gere o valor das taxas de câmbio através do Banco Central da Venezuela, mas com uma taxa de câmbio flutuante que mostra a instabilidade económica e o impacto que tem na economia familiar.

De acordo com as estatísticas, o dólar BCV subiu apenas 2,67% nos primeiros nove meses de 2024, mas desde outubro o aumento foi de 40,66%, pelo que a variação dos preços dos materiais, dos alimentos, da saúde e da vida em geral é dada de acordo com a taxa de câmbio do dia, daí a instabilidade económica, dificultando o desenvolvimento e agravando a crise. A isto temos que acrescentar que os mercados nem sempre cobram de acordo com a taxa oficial do BCV, porque existem outros modelos de câmbio, como o paralelo, o médio (que é uma taxa de câmbio que é dada pela média das diferentes taxas) e isto leva sempre a uma variação nos preços.

A partir deste panorama, no ano de 2023, o ENCOVI (Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida) realizou um inquérito, mostrando os seguintes indicadores: 51,9% da população vive abaixo do limiar de pobreza; mas, em pormenor, o ENCOVI relata os resultados dos seus inquéritos, indicando que 89% dos agregados familiares sofrem de insegurança alimentar e não conseguem cobrir os custos do cabaz alimentar básico e 70% da população vive em áreas de alto risco de perigos naturais.

Relativamente aos números do desemprego, existem diferentes estatísticas, dependendo das fontes de referência para as consultas. Para o governo venezuelano, a taxa de desemprego da sua população é de 7,8%, enquanto que, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), este valor sobe para 40,3%. De acordo com dados do Observatório Venezuelano de Serviços Públicos (OVSP), 77% dos venezuelanos têm acesso limitado à água, enquanto 11% da população afirma ter acesso à água potável em qualquer dia da semana.

Alimentação, saúde e educação

A alimentação, a saúde e a educação são questões fundamentais na atual situação da Venezuela como parte dos direitos básicos da vida humana. Nesta situação de crise, os últimos anos têm marcado uma profunda deterioração das condições de vida dos venezuelanos, que se reflecte também na redução e disponibilidade de acesso à compra de alimentos devido à inflação.

Michael Fakhri, Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o direito à alimentação, na sua visita à Venezuela em fevereiro de 2024, salientou “as dificuldades que as famílias venezuelanas enfrentam para satisfazer as suas necessidades básicas, recorrendo a medidas negativas como a redução das porções de alimentos, a omissão de refeições e a compra de produtos menos nutritivos”.

Este panorama afectou o estado de saúde dos venezuelanos, uma vez que, de acordo com os dados, “30% dos hospitais públicos não têm qualquer tipo de material básico, como roupa de cama, toucas, batas cirúrgicas, máscaras, entre outros” (“Venezuela: radiografia de um sistema de saúde em crise”). Encontrámos um sistema de cuidados de saúde implementado pelo governo que favorece os primeiros socorros na localidade, de acordo com o Estado cubano. Atualmente, estes centros de cuidados continuam a sofrer de falta de materiais básicos.

No meio da crise, existe a possibilidade de recorrer a um seguro de saúde privado. Mas os seus preços são muito elevados. De acordo com a ONG Médicos Unidos pela Venezuela, mais de 90% da população não pode pagar uma apólice de seguro, nem o custo dos cuidados num hospital privado, pelo que a maioria depende de um sistema de saúde público que está em crise. O acesso a cuidados num hospital público para cirurgia requer um longo tempo de espera para ser atendido e o paciente tem de pagar alguns dos materiais, o que também se torna uma experiência traumática para aqueles que têm de pagar por isso.

A realidade educativa no país não é muito diferente. O portal de notícias DW (Deutsche Welle), na sua reportagem de outubro de 2024, revelou dados actuais baseados em dados da ONG Observatorio de Derechos Humanos da Universidad de Los Andes de Venezuela, que afirmam que “mais de metade” do pessoal docente do país está “abaixo do limiar da pobreza”. No mesmo artigo, a DW refere que, citando dados do Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores (CENDAS-FVM), calculou que o salário médio mensal de um professor é de cerca de 21 dólares à taxa de câmbio oficial, o que seria insuficiente para cobrir o custo da cesta básica, estimada – em agosto de 2024 pela organização – em 107,8 dólares por pessoa; além disso, têm de cobrir materiais de apoio, que não encontram na instituição, e o transporte para realizar a sua atividade académica.

Neste contexto, existe uma realidade de elevado abandono escolar e um défice de pessoal docente, infra-estruturas inadequadas que não garantem os processos educativos para o melhor desenvolvimento educativo; na investigação da DevTech Systems, em que participa a Universidade dos Andes, Venezuela, a principal causa do absentismo escolar durante o período 2020-2021 é dada por: “falta de comida em casa (78,3 por cento), falta de serviços básicos (56,7 por cento), não poder adquirir materiais e materiais escolares (55,5 por cento), motivos de saúde (44,4 por cento), necessidade de ajudar nas tarefas domésticas (43,7 por cento), o aluno não quer continuar a estudar (43,5 por cento), o aluno não considera a educação importante (39,7 por cento) e custo do transporte (25,9 por cento). Mais de metade dos estudantes (56,9%) referiu sofrer de vulnerabilidade alimentar”.

Iniciativas Claretianas a partir da Linha de Solidariedade e Missão-SOMI

A presença claretiana na Venezuela não é alheia à realidade da sua população. Precisamente, o sentido da vocação missionária consiste em continuar a caminhar com as pessoas no meio desta realidade social que estão a viver.

Perante esta realidade, a nossa Congregação é uma organização consciente do desafio humano mais premente: a sustentabilidade da vida humana e da Casa Comum. Seguindo as orientações capitulares (QC 81-86), a Província de Colômbia Venezuela relê este sonho global, apropriando-o às condições do Organismo e às suas duas regiões de missão e advocacia: “Sonhamos com uma Província de Colômbia Venezuela com comunidades comprometidas no cuidado e defesa da Casa Comum e na construção da interculturalidade, da justiça e da paz evangélica, no marco do projeto de Solidariedade e Missão”.

Perante esta realidade, a nossa Congregação é uma organização consciente do desafio humano mais premente: a sustentabilidade da vida humana e da Casa Comum. Seguindo as orientações capitulares (QC 81-86), a Província de Colômbia Venezuela relê este sonho global, apropriando-o às condições do Organismo e às suas duas regiões de missão e advocacia: “Sonhamos com uma Província de Colômbia Venezuela com comunidades comprometidas no cuidado e defesa da Casa Comum e na construção da interculturalidade, da justiça e da paz evangélica, no marco do projeto de Solidariedade e Missão”.

A partir deste sonho, somos marcados no horizonte por acções em que contribuímos para a realização da dignidade e igualdade das pessoas, povos, comunidades e culturas na sua autodeterminação, sustentabilidade e preservação da Casa Comum. Os nossos compromissos são balizas que orientam o nosso tecer, caminhar, articular e influenciar a partir e com as nossas comunidades missionárias, encarnando-nos na solidariedade com a humanidade dos pobres e das vítimas, “não se pode ser claretiano como se os pobres – e as vítimas – não existissem, nem se pode ser claretiano sem denunciar as estruturas de injustiça, sem lutar contra o sistema que as perpetua, propondo alternativas”.

No meio da realidade venezuelana, a partir da nossa vocação missionária e guiados pelas linhas de ação da Congregação, as nossas comunidades criaram estruturas de animação pastoral de Solidariedade e Missão, SOMI-Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC) a nível local, zonal e regional, para dinamizar as acções sociais na nossa missão. Por isso, para além dos serviços sacramentais nos nossos centros missionários (paróquias, escolas e casa de formação), a realidade que nos rodeia obriga-nos a olhar criativamente para além do culto, a entrar na esfera social, uma vez que os processos religiosos devem andar de mãos dadas com os processos sociais das pessoas; não podemos ser alheios à realidade social das pessoas.
De forma organizada, a Província, através da Procuradoria Missionária, Proclade ColVen, a comunidade local e a Procuradoria Geral das Missões, com o apoio de algumas organizações da Congregação, das nossas escolas, de algumas ONG locais, da Cáritas Diocesana, atendem criativamente à situação de crise em diferentes áreas, respondendo à situação de acordo com o contexto e as necessidades da área e do contexto local onde nos encontramos.

Algumas iniciativas que podem ser destacadas são:

  • · Em tempos de forte crise e em tempos de pandemia Covid 19 (2017-2021), e em alguns centros missionários (San Felix, Delta Amacuro e Mérida) continuam até hoje, a iniciativa “Pote Solidário” que consiste em preparar alimentos e distribuí-los às pessoas mais necessitadas em diferentes localidades onde estamos presentes.
  • · Os cuidados médicos, que consistem na organização de um dispensário médico em conjunto com outras ONG, comunidades religiosas e a Cáritas diocesana, que se ocupa dos cuidados primários das pessoas necessitadas. Estes cuidados podem ser encontrados, por exemplo, nas nossas paróquias de Delta Amacuro, San Felix, Caracas e Mérida.
  • · Experiências juvenis, arte, cultura e desporto como meios de resistência. Na Venezuela, em cada um dos nossos centros missionários, continuamos a apoiar o trabalho e a formação de jovens e, desde há 45 anos, o movimento ANCLA (António Claret) continua a ser uma forma esperançosa de formar jovens para serem agentes de transformação.
  • · Formação/cursos para o empreendedorismo, em zonas de missão como Delta Amacuro, San Félix, Barquisimeto e Mérida, através da formação para o empreendedorismo, são reforçados os cursos de artesanato, a fim de permitir que as pessoas sustentem as suas famílias.

Estas experiências são pequenas iniciativas e podem ser muito assistencialistas, mas são um passo para podermos continuar a acompanhar os processos sociais das comunidades.

Em conclusão

Nos últimos anos, dizem alguns, a realidade na Venezuela melhorou, e isso reflecte-se no stock dos supermercados, onde as prateleiras estão cheias de comida, a moeda circula e os preços são em dólares, mas, na realidade, grande parte da população não tem poder de compra; por isso, a nível social, há um grande fosso entre ricos e pobres.

Para os claretianos continua a ser um desafio continuar a acompanhar estas pessoas, a caminhar com elas no meio da sua realidade social e que surjam novas iniciativas que ajudem os processos sociais das comunidades locais, reafirmando a nossa vocação e presença missionária como sinal de esperança no meio da realidade social que sofre.